segunda-feira, 21 de junho de 2010

O ÚLTIMO DIA DO VERÃO

As pipas no céu formam um bonito desenho.São como pássaros executando uma coreografia.No terreno vazio os moleques jogam futebol e fazem uma enorme algazarra.Na porta das casas os velhos discutem sobre a política.A rua respira.

Marcos faz as malas devagar.Passa a mão delicadamente sobre a capa do 'CONSTRUÇÃO " do Chico Buarque,um disco com muitos significados para ele.Coloca - o para rodar na velha vitrola e a voz de chico começa a agradecer "deus lhe pague","deus lhe pague".

Ele sente uma lágrima rolar até seus labios amargos.Não vai levar muita coisa na mala.Sabe que vai voltar em breve.A separação não será definitiva.Ana irá descobrir que ainda o ama muito.Ele espera,ele sente.Fecha a mala e tira o disco da vitrola.Arruma cuidadosamante o antigo LP na embalagem de papelão e o coloca embaixo do braço.Desce as escadas até a sala onde Ana espera sentada no sofá.
_To levando o vinil do Chico.
_Tudo bem,eu tenho em CD.
_Você sabe que eu sempre preferi os vinis né?-Marcos sorri meio tímido.
_Sim,eu sei.
_Semana que vem eu volto pra buscar o resto das minhas coisas,ok?
_ok.
_Ana,eu queria te dizer...-
_Por favor Marcos,não fala nada.Deixa o tempo passar.Eu to precisando de um tempo pra pensar.
Marcos sente um nó na garganta.Ele se segura para não chorar e se lançar nos pés da mulher que ele ainda ama tanto.Mas ele sabe também que os erros que cometeu não lhe dão o direito de exigir nada dessa mulher.Ele sabia desde o começo que Ana jamais perdoaria uma traição sua.
-Só quero que você saiba que eu ainda te amo muito.
Agora é Ana que se esforça para não cair em prantos diante de Marcos.
_Se cuida tá.-ela diz.
_Pode deixar.-ele lhe dá um beijo na testa se vira e começa a caminhar na direção do portão.Ele olha para trás e ela está lá,na porta,olhando sua partida.Ele lhe joga um beijo e ela retribui o gesto.Um sorriso então se esboça em seu rosto.Ele sente que vai voltar em breve.
Seu coração agora é uma pipa voando no céu.

O RIO

Meu pai me falava do rio.De suas margens onde o gado se debruçava para beber a doce e límpida água que iria matar sua sede.Das pescarias nas tardes de domingo,da alegria que sentia em levar para sua mãe o peixe pescado para que ela preparasse o jantar.De como o rio era seu refúgio nas horas em que as bebedeiras de meu avô se tansformavam em ira.E a ira,em surras que deixavam marcas,algumas jamais cicatrizadas.Meu pai me falava do rio.Que uma das alegrias de sua infância era mergulhar em suas águas e se entregar à natureza,respirar o ar puro do campo,sentir a água fria lavando seu corpo,sua alma.
Meu pai tinha a sabedoria dos homens simples.Dizia que a vida é como um rio.Deixamos que ele corra livre
sem rumo definido ou construimos uma barragem para que possamos direciona-lo para um caminho.Encontrar o rio dentro de nós,ele dizia.
Foi na beira do rio que ele beijou minha mãe pela primeira vez.E foi no rio também que,anos mai tarde,ele mesmo me batizou em nome da santíssima trindade.Eu ,seu primeiro filho.
Meu pai me dizia que o tempo que nos alimenta também nos consome.Ele flui rápido como a correnteza de um rio.E eu que era o filho me tornei o pai,e de pai me tornei avô.E se o tempo permitir,ainda verei a chegada de um bisneto.Embora eu tenha que dizer que quando se é um velho de 85 anos pouca coisa ainda traz alguma felicidade realmente verdadeira.
Mas das palavras de meu pai eu nunca me esqueço.A vida é a eterna busca,ele dizia.Quando o homem desiste de buscar algo em sua vida,significa que sua vida acabou.Que não existe mais nada.
Do rio de meu pai nada restou.Hoje, tudo se transformou em ruas de onde não se enxerga o horizonte.E a felicidade que um dia ali foi vivida se perdeu em meio ao aço e ao concreto que a tudo soterrou.
Apesar de tudo isso,eu ainda busco sim,encontrar dentro de mim,um rio de águas tranquilas.Um último navegar.








terça-feira, 1 de junho de 2010

SOB A PONTE

" O SOFRIMENTO É INEVITÁVEL".


"O SOFRIMENTO NASCE DO APEGO DO HOMEM ÀS COISAS MATERIAIS".


( BUDA)

Sob a ponte faz muito frio.Os trapos de cobertores com os quais me cubro não me protegem do vento gelado que castiga a cidade hoje.È domingo.Dia das pessoas de bem irem à igreja,almoçarerm na casa das mâes,sogras,pais,primos.Dia de visitar os amigos.Eu já visitei muitos amigos em dias de domingo.Já fui na missa,já fui um cidadão de bem,respeitado pela minha família.Mas isso foi quando?Em outra década?Em outra vida?Agora começou a chover fininho,vagarosamente.Me enrolo nos meus trapos tentando me aquecer.Tomo um gole de cachaça,minha companheira de tantos anos.È bom,dá uma esquentada na goela!
Dia de domingo é legal.Vem um pessoal de uma igreja evangélica e traz comida quentinha,pão,refrigerante.O saco é que depois eles querem ler a bíblia,falar de Jesus,fazer oração.Eu até ganhei uma camiseta deles com uma frase escrita assim:"JESUS MORREU POR VOCÊ".Se morreu mesmo,deve ter se arrependido até os ossos.Eu não presto,essa cambada toda fedida e rasgada que mora aqui debaixo dessa ponte não vale nada,a humanidade inteira não vale um monte de estrume.O ser humano é só estômago e sexo.Mais nada.
Dia de chuva é foda!Parece que cada gota que cai é um fragmento do passado que pinga no chão e salta nos meus olhos em forma de lembrança.Dai vem o rosto da minha ex-esposa,do meu filho.Ele era muito pequeno ainda quando eu fui embora de casa.Deve estar já com uns 14 anos.Acho que ele nem sabe que tem um pai.Deve achar que eu morri.Melhor assim.Que desgosto pra ele ter um pai alcóolatra,viciado e esfarrapado.Queria que a chuva parasse.Tem dias em que nem me lembro de minha outra vida.Tenho que fazer um esforço danado pra me lembrar do rosto de minha ex - esposa.Mas quando chove...Eu me lembro do nosso tempo de namoro.Dos primeiros anos de casamento e do quanto nós éramos felizes.Lembro -me também de como seu olhos foram ficando cada dia mais tristes à medida em que eu me afundava na bebida.Ir embora foi a decisão mais acertada.Eu queria que ela fosse feliz.
Com quem mora na rua ás vezes acontecem coisas interessantes também.Outro dia veio um político todo engomadinho gravar um programa eleitoral aqui.Veio falar de nós,esse grave problema social,que parece jamais vai ter uma solução.Ele conversou comigo e quis saber da minha vida.Ouviu minha história e prometeu ajudar.Me levou até num desses programas de tv qu passam de tarde,que as donas de casa adoram assistir.A apresentadora disse que iria entrar em contato com minha família,que minha vida iria mudar,enfim,essa baboseira toda que dá ibope na tv.Resumindo,quando o programa acabou,a dona virou as costas pra mim e saiu perguntando se eu tinha dado um bom ibope.Nem olhou mais na minha cara.Me deram um lanche e me mandaram embora.Pelo menos isso né?A televisão é uma grande mentira.Tudo é falso.Os sorrisos,os abraços,as lágrimas.Mas as pessoas adoram serem enganadas.Pelos apresentadores de televisão,pelos politicos,pelos pastores safados que só querem mais e mais dinheiro dos fiéis.
As vezes me sinto tão cansado.Por muitas vezes já pensei em subir no alto dessa ponte e voar lá de cima.Ou então me jogar na frente de um caminhão qualquer.Mas me falta a coragem.Dizem que quem se mata é um covarde.Eu discordo.`Pra tirar a própria vida tem que ter muita coragem,meu!!!
As vezes tenho saudade do meu pai.De quando eu era criança e ele me abraçava e me beijava e eu sentia a aspereza de sua barba no meu rosto.Tenho saudades de acordar sentindo o cheirinho do café que minha mãe fazia de manhã.De suas mãos,finas como um papel, me fazendo um carinho.Eu tento chorar,só que não consigo.Concreto e poeira,cinzas,lixo,solidão e tristeza.
Hoje é domingo.Faz muito frio e chove.Se eu fosse um cidadão de bem,iria á missa.Mas vou ficar aqui.Tomando minha cachaça e tentando me aquecer.Sob a ponte é assim.