terça-feira, 1 de junho de 2010

SOB A PONTE

" O SOFRIMENTO É INEVITÁVEL".


"O SOFRIMENTO NASCE DO APEGO DO HOMEM ÀS COISAS MATERIAIS".


( BUDA)

Sob a ponte faz muito frio.Os trapos de cobertores com os quais me cubro não me protegem do vento gelado que castiga a cidade hoje.È domingo.Dia das pessoas de bem irem à igreja,almoçarerm na casa das mâes,sogras,pais,primos.Dia de visitar os amigos.Eu já visitei muitos amigos em dias de domingo.Já fui na missa,já fui um cidadão de bem,respeitado pela minha família.Mas isso foi quando?Em outra década?Em outra vida?Agora começou a chover fininho,vagarosamente.Me enrolo nos meus trapos tentando me aquecer.Tomo um gole de cachaça,minha companheira de tantos anos.È bom,dá uma esquentada na goela!
Dia de domingo é legal.Vem um pessoal de uma igreja evangélica e traz comida quentinha,pão,refrigerante.O saco é que depois eles querem ler a bíblia,falar de Jesus,fazer oração.Eu até ganhei uma camiseta deles com uma frase escrita assim:"JESUS MORREU POR VOCÊ".Se morreu mesmo,deve ter se arrependido até os ossos.Eu não presto,essa cambada toda fedida e rasgada que mora aqui debaixo dessa ponte não vale nada,a humanidade inteira não vale um monte de estrume.O ser humano é só estômago e sexo.Mais nada.
Dia de chuva é foda!Parece que cada gota que cai é um fragmento do passado que pinga no chão e salta nos meus olhos em forma de lembrança.Dai vem o rosto da minha ex-esposa,do meu filho.Ele era muito pequeno ainda quando eu fui embora de casa.Deve estar já com uns 14 anos.Acho que ele nem sabe que tem um pai.Deve achar que eu morri.Melhor assim.Que desgosto pra ele ter um pai alcóolatra,viciado e esfarrapado.Queria que a chuva parasse.Tem dias em que nem me lembro de minha outra vida.Tenho que fazer um esforço danado pra me lembrar do rosto de minha ex - esposa.Mas quando chove...Eu me lembro do nosso tempo de namoro.Dos primeiros anos de casamento e do quanto nós éramos felizes.Lembro -me também de como seu olhos foram ficando cada dia mais tristes à medida em que eu me afundava na bebida.Ir embora foi a decisão mais acertada.Eu queria que ela fosse feliz.
Com quem mora na rua ás vezes acontecem coisas interessantes também.Outro dia veio um político todo engomadinho gravar um programa eleitoral aqui.Veio falar de nós,esse grave problema social,que parece jamais vai ter uma solução.Ele conversou comigo e quis saber da minha vida.Ouviu minha história e prometeu ajudar.Me levou até num desses programas de tv qu passam de tarde,que as donas de casa adoram assistir.A apresentadora disse que iria entrar em contato com minha família,que minha vida iria mudar,enfim,essa baboseira toda que dá ibope na tv.Resumindo,quando o programa acabou,a dona virou as costas pra mim e saiu perguntando se eu tinha dado um bom ibope.Nem olhou mais na minha cara.Me deram um lanche e me mandaram embora.Pelo menos isso né?A televisão é uma grande mentira.Tudo é falso.Os sorrisos,os abraços,as lágrimas.Mas as pessoas adoram serem enganadas.Pelos apresentadores de televisão,pelos politicos,pelos pastores safados que só querem mais e mais dinheiro dos fiéis.
As vezes me sinto tão cansado.Por muitas vezes já pensei em subir no alto dessa ponte e voar lá de cima.Ou então me jogar na frente de um caminhão qualquer.Mas me falta a coragem.Dizem que quem se mata é um covarde.Eu discordo.`Pra tirar a própria vida tem que ter muita coragem,meu!!!
As vezes tenho saudade do meu pai.De quando eu era criança e ele me abraçava e me beijava e eu sentia a aspereza de sua barba no meu rosto.Tenho saudades de acordar sentindo o cheirinho do café que minha mãe fazia de manhã.De suas mãos,finas como um papel, me fazendo um carinho.Eu tento chorar,só que não consigo.Concreto e poeira,cinzas,lixo,solidão e tristeza.
Hoje é domingo.Faz muito frio e chove.Se eu fosse um cidadão de bem,iria á missa.Mas vou ficar aqui.Tomando minha cachaça e tentando me aquecer.Sob a ponte é assim.




Um comentário:

  1. Mano...parabens pelos seus textos...
    voce precisa comecar a divulgar mais ele,
    suas ideias sao boas, e voce sabe o que fala.
    abraco

    Haroldo, the Writher

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