sábado, 23 de janeiro de 2010

PASSAGEIROS DA CHUVA

Quando lhe perguntei o que mais temia,ela me respondeu:
_Tenho medo de ficar sozinha,só isso.
Lá fora chovia mansamente e o cheiro da terra fresca entrava pela janela aberta do quarto.Contagiados por essa atmosfera de pesada tranquilidade,nossos corações eram envolvidos por uma fina malha de tristeza e saudade.
_As vezes me sinto como se fosse a criatura mais infeliz do mundo.Vejo as outras pessoas nas ruas,sorrindo,parece que nada as preocupa.Vejo as crianças,tão inatingíveis e quando olho para dentro de mim mesma,tenho vontade de chorar:tanto medo,tanta insegurança e solidão.
Ela se encaminhou até a janela.Respirou fundo o ar límpido da tarde e estendeu a palma da mão para fora como se quisesse apanhar os pingos da chuva.
_Gostaria muito de ajudar voce minha amiga,ter uma resposta,mas não tenho.Infelizmente,o estado natural dos seres humanos é a solidão.O amor,a amizade,a liberdade e a felicidade são apenas ferramentas de que dispomos para que nossas vidas possam ter algum sentido.Eu não sei...não sei o que dizer.
_você sente essas inquietações mais profundamente do que eu.O que você disse foi duro mas verdadeiro.Mas então,o que nos resta?Ignorar que somos criaturas perdidas que caminham para o vazio?Gostaria muito de olhar para o fundo deste abismo e gritar "DEUS!",mas não consigo,me falta a fé.
Continuou olhando para a chuva e seus olhos encheram-se de um estranho brilho,vindo de muito longe,e eu tive a impressão de que ela agora olhava o mundo;seus homens,suas mulheres e suas crianças.Ela era parte de todos agora.
_Minha amiga,viver pensando na fragilidade de nossas vidas,é o mesmo que olhar constantemente para o abismo.Mas chegará o momento em que você vai ter que escolher entre saltar nesse abismo ou construir uma ponte para chegar ao outro lado.
Calei-me.Ela parecia hipnotizada pelo que seus olhos viam através da janela.O vento que agora entrava agitava seus cabelos e parecia lhe trazer uma merecida paz.Nessa tarde chuvosa,minha amiga e eu éramos dois náufragos perdidos numa ilha de incertezas
Fui até a janela também para sentir o vento no meu rosto.Naquele momento ,percebi que com ela eu poderia compartilhar momentos tristes como esse e sentir nem que fosse por alguns instantes,a ilusão de não estar sozinho em minha angústia.
Lá fora,a chuva saciava a sede da Terra e Deus mostrava a sua face.

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